quinta-feira, 1 de abril de 2010

O design como caminho para a sustentabilidade


O jornalista e filósofo John Thackara acredita que o design pode encurtar o caminho que leva à sustentabilidade, em todas as instâncias. Seu livro - In the Bubble: Designing in a Complex World - acaba de ser lançado no Brasil e, em novembro, ele certamente virá ao país para participar de um congresso

Planeta Sustentável – 16/02/2009

John Thackara nasceu na Inglaterra, mas sua experiência é de quem já morou em dez cidades pelo mundo. Filósofo e jornalista de formação, especializado em arquitetura e design, Thackara trabalhou para grandes veículos da imprensa britânica, como o jornal The Guardian e a rede BBC.

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Das pautas jornalísticas passou para a academia, onde assumiu cargos importantes no Royal College of Art, em Londres, e depois no Netherlands Design Institute, de Amsterdã. Daí em diante, unindo seu faro jornalístico ao conhecimento acumulado na pesquisa acadêmica e no mercado, Thackara tornou-se membro de conselhos de diversos projetos e entidades pelo mundo, proferiu palestras e organizou conferências, que tratam de um tema em comum: como o design pode encurtar o caminho rumo à sustentabilidade.

Para registrar seu precioso conhecimento na área, escreveu ainda um livro, intitulado “In the Bubble – Designing in a Complex World”, editado originalmente pelo MIT Press, em 2005. Lançado no Brasil recentemente, numa parceria entre o selo Virgília e a Editora Saraiva, sob o título “Plano B – O Design e as Alternativas Viáveis em um Mundo Complexo”, o livro é uma leitura indicada para designers e não-designers, e principalmente, para quem quer descobrir que a sustentabilidade mora ao lado: “Milhares de experiências em design já estão sendo realizadas”, adianta Thackara, em entrevista exclusiva ao Planeta Sustentável.

O seu livro tem um novo título no Brasil: “Plano B” é uma expressão que significa uma “maneira alternativa de se agir”. A sustentabilidade chegará ao mainstream e será, finalmente, transformada num “Plano A”?
Não é uma questão de “será”, mas sim de “já é”. Maneiras alternativas de se organizar a vida cotidiana, que são sustentáveis em diferentes níveis, vêm sendo desenvolvidas em todo o mundo. No mundo de língua inglesa, por exemplo, há o site Wiser Earth, que reúne milhares de projetos em que pessoas e grupos estão ativamente mudando algum aspecto da vida cotidiana, na prática. Esse site é inspirador, porque mostra que muita coisa está sendo feita. Paul Hawken (escritor e ambientalista norte-americano, fundador do Natural Capital Institute, organização à frente do Wiser Earth) diz que esses projetos, quando reunidos, transformam-se no maior movimento ao redor do planeta. Esse movimento é invisível no mainstream, na mídia e na política, porque muitas dessas ações são pequenas, locais e entre pessoas comuns, mas é, contudo, real. E está crescendo numa velocidade incrível.

A edição brasileira também traz três novos capítulos: “Alimento”, “Desenvolvimento” e “Presença”. Por que você escolheu esses temas?
Quando líderes comunitários e homens de negócios de trinta cidades se reuniram em Nova York, em 2007, para o Large Cities Climate Summit (Encontro Climático de Grandes Cidades), o sistema de abastecimento de alimentos não fazia parte da pauta de discussões. Os representantes discutiram congestionamento, energia, água, construções, negócios, tráfego urbano e dejetos – mas não alimentação. A omissão foi notável: mais de 40% das pegadas ecológicas de uma cidade moderna podem ser rastreadas até os sistemas de abastecimento de alimentos – transporte, embalagem, armazenamento, preparação e descarte das coisas que comemos. Os sistemas de abastecimento de alimentos no mundo estão se transformando em práticas insustentáveis, em relação a impactos ambientais, à saúde e à qualidade social.

Os sistemas de abastecimento de alimentos são, portanto, uma importante parte dos programas para fazer com que centros urbanos sejam mais sustentáveis. O desafio do design é unir diferentes recursos e oportunidades. A ecologia de uma cidade é complexa, e um nível altíssimo de coordenação é necessário entre prestadores de serviço, consumidores e produtores. A agricultura urbana, nesse sentido, tem mais relação com o design de serviços e infraestrutura, do que com artefatos isolados. Novos serviços e infraestrutura serão necessários para sustentar cooperativas de alimentos, cozinhas e refeitórios coletivos, hortas comunitárias e outras melhorias nos sistemas de alimentação comunitários.

A ironia é de que o modelo predatório da alimentação industrializada está pressionando os países em desenvolvimento, em nome do progresso. A pressão financeira nos países emergentes é imensa. Em um mercado ocidental, para cada dez dólares que você ou eu gastamos, apenas 60 centavos vão para os agricultores. Os 9,40 dólares restantes – o “valor agregado” – correspondem à rotação de estoque e ao lucro das indústrias envolvidas. Compare isso aos mercados formais na Índia (também conhecidos como varejo organizado), eles contabilizam apenas 3% dos 300 bilhões de dólares do setor varejista de produtos alimentícios. A maior parte da venda de alimentos é ainda realizada por lojas informais, vendedores de beira de estrada e feiras a céu aberto.

Um relatório elaborado pela consultoria americana McKinsey para o governo indiano difundiu a ideia de que a Índia é a “fábrica de alimentos do mundo”. A empresa promoveu o par de conceitos “eficiência” e “inovação” como a base para a contribuição indiana no mercado global de 640 bilhões de dólares da indústria de alimentos. “Produtos a custos extremamente baratos... é nesse ponto que o centro do consumo indiano estará”. Os prováveis custos à qualidade ambiental, social e à saúde pública não foram mencionados pelo estudo da McKinsey.

E estou também preocupado com a expressão “mitigação da pobreza”. Essas palavras (assim como “Desenvolvimento”) significam, para mim pelo menos, que as pessoas desenvolvidas do Norte estão submetidas a alguma espécie de obrigação em ajudar as pessoas desamparadas do Sul a se erguer, lançando mão de suas próprias condições privilegiadas.

Hummm... A pobreza é um desafio real suficiente para mais da metade da população mundial – mas, em muitos casos, ela é ocasionada por modelos exportados, e impostos, pelo Norte. E precisamos admitir que, ao redor do mundo, os mais brutais excessos do desenvolvimento são incentivados, cada vez mais, por visões de design. Estou assombrado pelas palavras da especialista inglesa em desenvolvimento Maggie Black: “Milhões de pessoas são expelidas para as margens de uma experiência frutífera em nome do progresso de outras”.

O novo capítulo sobre “Presença” foi motivado pela minha necessidade pessoal de viajar menos! Não é mais aceitável voar em torno do mundo dando palestras sobre sustentabilidade, quando o custo de carbono da minha mobilidade é tão alto! De maneira geral, a ideia de viajar sem se mover faz sentido do ponto de vista ambiental. Matéria é mais custosa do que energia, energia custa mais do que informação; é mais barato transportar informação do que pessoas e coisas. Então, a promessa dos sistemas de comunicação de simulação de presença é a de nos fazer movimentar menos e nos telecomunicarmos mais. Por que ir pessoalmente, quando podemos telefonar?

O problema com esses novos sistemas é que, apesar de cinco décadas de esforço, a promessa da presença virtual introduzia solenemente pelo videofone, alardeado pela IBM na feira mundial de Nova York, em 1964, ainda não se realizou. Enormes investimentos em ambientes virtuais, comunicação móvel e biossensores geraram resultados - na melhor das hipóteses - modestos. A telepresença não amadureceu para se transformar num serviço, muito menos em um mercado. Mesmo seus defensores não se impressionam: o diretor da divisão de videoconferência de uma grande empresa britânica de telecomunicações me disse que ele e seus colegas evitam o próprio sistema sempre que podem.

Mas eu, pessoalmente, não tenho mais escolha. Eu tenho que me movimentar menos. Por mais empobrecedora que possa ser a experiência permitida pelas tecnologias de comunicação, nós precisamos fazê-la funcionar. Então, meu capítulo é um desafio proposto a artistas e designers para criar significativas e estéticas combinações de visão, audição e tato no mundo virtual.

“In the bubble” (“Na bolha”), título original de seu livro, é uma expressão utilizada por controladores de tráfico aéreo para descrever seu estado de espírito, diante de telas brilhantes e fluxos de informação, quando estão controlando dados. Qual deve ser o papel do designer, ao tentar assumir o controle, repensar e recriar a nossa sociedade?
Minha primeira resposta é que devemos nos concentrar no pequeno, em discretas ações de design e não tentar redesenhar tudo, de uma vez só. Nós estamos começando a entender os princípios envolvidos nos sistemas complexos. Redesenhar a vida cotidiana deve ser uma atividade contínua, e não esporádica.

Nós precisamos nos concentrar em como as coisas funcionam, mais do que (apenas) em como elas se parecem. Essa é uma mudança fundamental na relação entre pessoas que projetam coisas e pessoas que as usam. Senso e reação significam reagir a eventos num contexto – como uma cidade ou região – e ser capaz de responder rapidamente e apropriadamente quando a realidade muda. Essa abordagem sugere desenvolvermos uma compreensão e uma sensibilidade em relação à morfologia dos sistemas, sua dinâmica, sua “inteligência” – e como trabalhar e estimulá-los. Isso significa que devemos pensar em design mais como um guia, do que como um modelador de formas.

Você escreveu que nós precisamos passar de uma inovação baseada na ficção científica (futurística, incapaz de ser realizada), para uma inovação social. Você conhece alguma experiência brasileira em inovação social?
Meu conhecimento pessoal sobre o Brasil é limitado a algumas visitas curtas ao país. Mas eu tenho ouvido falar sobre projetos incríveis, que me parecem ser centrais em relação ao que precisamos fazer nos próximos anos. Por exemplo, novas maneiras de recuperar resíduos serão fundamentais – maneiras de reutilização e reciclagem de materiais que ainda estão disponíveis.

Eu tenho trabalhado com um estúdio de arquitetos franceses chamado Exyzt, cujo novo projeto, intitulado Momento Monumento, está no Brasil junto com o estúdio Coloco. A ideia do projeto Monumento é explorar os vários passos práticos necessários para reprojetar um arranha-céu de 24 andares em São Paulo (a iniciativa faz parte do Ano da França no Brasil). Haverá, em breve, prédios vazios como esse em todo o mundo, então esse tipo de experiência é extremamente apropriada.

Numa linha parecida, há o conceito da Bricolabs, que também surgiu no Brasil, que são redes distribuídas para o desenvolvimento global e local das chamadas “infraestruturas genéricas”, criadas por comunidades. Como a civilização industrial, da forma que nós conhecemos hoje, está em declínio, precisaremos usar plataformas como a Bricolabs para manter as redes de comunicação. A Bricolabs é uma plataforma global para investigar conteúdos, softwares e hardwares abertos, para uso comunitário, um modelo que reúne pessoas a novas tecnologias e conectividade distribuída – postura muito diferente do foco da indústria de Tecnologia da Informação (TI), que está baseada em sistemas fechados, copyright, segurança, vigilância e monopólio da informação e da infraestrutura.

Você afirma que nós construímos uma sociedade baseada na tecnologia, que ser inovador é “adicionar tecnologia”. Diz, ainda, que precisamos mudar as pautas das discussões, de maneira que as pessoas venham antes de recursos tecnológicos. Tecnologia não pode resolver todos os problemas, mas ela possui um papel importante ao possibilitar soluções de design. Como a tecnologia pode ser utilizada para se construir uma sociedade sustentável?
Aha, outra pequena pergunta! A resposta mais simples é pensar a tecnologia como um recurso para se atingir um fim (uma sociedade sustentável), e não com um meio com fim em si mesmo. Eu inventei a “Lei Thackara“ para resumir minha ideia: se você coloca inteligência num produto sem sentido, o resultado será um produto idiota. A sustentabilidade fornece o fim que precisamos para guiar a inovação.

Projetos de design sustentável são baseados em novos princípios (acima de tudo, leveza), que informam a maneira como são projetados, fabricados, utilizados e procurados. O foco do design sustentável está nos serviços e sistemas, não em artefatos. Você também afirma que novas ideias de design estão sendo realizadas e testadas agora mesmo (e algumas delas são descritas no seu livro). Como o design pode fortalecer essas iniciativas?
Uma das mais importantes tarefas do design é aumentar e melhorar as ferramentas que nós precisamos para compartilhar recursos. Muitas dessas ferramentas já existem, mas são difíceis de serem utilizadas ou são desnecessariamente não-atraentes: eu estou falando de uma variedade de ferramentas para diferentes finalidades, desde sistemas locais de troca e moedas complementares a car pooling (caronas organizadas) e compartilhamento de terras. Eu escrevi mais detalhadamente sobre “ferramentas para compartilhamento” (clique aqui para ler).

É possível projetar soluções pequenas, simples e locais num mundo tão complexo?
Como eu afirmei anteriormente, milhares de experiências em design já estão sendo realizadas, mesmo que as pessoas envolvidas não pensem nelas mesmas como designers. A lição de design proposta é esta: nós precisamos olhar em outros lugares para buscar inspiração e cultivar o hábito de procurar pessoas, locais, organizações, projetos e ideias que não aparecem na tela do radar usada pelos nossos capitães, que estão em cima da ponte de comando.

Designers são desnecessariamente pressionados pelo mito de que tudo que eles fazem deve ser único e criativo. Mais do que projetar do zero, nós deveríamos procurar de maneira ampla por soluções já realizadas e testadas, e criadas por outras pessoas. Nós precisamos nos transformar em caçadores-colecionadores de ideias e ferramentas. Como outras sociedades viveram no passado? Como sociedades vivem em outras partes do mundo? Essa pergunta já foi respondida por alguém?

Quando pessoas, ideias e organizações de ponta se reúnem, alguma coisa interessante e valiosa sempre acontece. O que consultores de empresas consideram “criação estratégica” – e que eu chamo de “design” – envolve a criação de novas combinações de conhecimento, recursos e habilidade – muitas dos quais já existem.

Várias visões do futuro falam de renúncia, moralismo e limitação pessoal. A sustentabilidade pode ser uma proposta estimulante e envolvente?
Um importante ponto quando desenhamos novas formas de atividade humana é saber distinguir explicitamente o que Ezio Manzini (pesquisador e designer italiano) chama de soluções “desabilitantes” e de “habilitantes” (leia as reportagens O visionário do design sustentável, O design do futuro, e Especialista em design sustentável).

Nós remoemos por muito tempo a ideia de que o mundo está “fora de controle” – nossas cidades, a tecnologia ou a bioesfera. Nós estamos preenchendo o mundo com tecnologias e sistemas complexos que são realmente difíceis de serem entendidos, formatados ou redirecionados. Projetos que ajudam cidadãos a retomar o controle sobre aspectos essenciais da vida cotidiana são, pela sua própria natureza, estimulantes e geram quantidades enormes de energia positiva.

Por favor, fale sobre seu projeto City Eco Lab. É uma cidade do presente ou do futuro?
É uma cidade – ou melhor, uma cidade-região – do presente. Com certeza! A ideia do City Eco Lab é procurar, e apresentar num espaço, os melhores projetos de uma região, que são exemplos de novas formas de organização da vida cotidiana. No caso do City Eco Lab de Saint Étienne (cidade francesa que sediu a Bienal Internacional de Design, em 2008), por exemplo, o evento incluiu iniciativas como permacultura, redes de comércio alternativo, bancos de sementes, esgoto urbano sustentável, propostas para “desmotorização”.

Nós organizamos, também, discussões sobre novos modelos econômicos, moedas complementares, esquemas de comércio para economias locais, redes alternativas de comércio e agricultura comunitária. Como um modelo que pode ser replicado, o City Eco Lab é uma coletânea local – um “mercado nômade de iniciativas” – para pessoas comuns e projetos. Quando reunidos, esses exemplos de inovação na vida cotidiana oferecem uma poderosa visão do que uma região sustentável pode ser.

Como eu já disse, há vários projetos como esses aí fora – mas eles não aparecem no radar da grande imprensa e da política. Esses projetos também tendem a ser isolados uns dos outros – então eles se ressentem da energia que surge quando são reunidos e do aprendizado mútuo. O objetivo do City Eco Lab é ajudar esses projetos de pessoas comuns e comunidades a atingirem uma massa e um momento críticos.

Os elementos-chave de um City Eco Lab são:
- um anfitrião: idealmente, um consórcio regional de organizações pro bono; um comitê organizador de cidadãos e grupos comunitários;
- um parceiro na mídia;
- um local: de preferência, uma grande área de fácil acesso, como um galpão ou um estádio;
- uma época adequada ao ritmo da região;
- uma central de notícias, que filtre e cruze as estórias dos projetos;
- um produtor para reunir todos esses elementos e
- um patrocinador: para pagar a produção.

Você tem planos para visitar o Brasil? Há novos projetos em vista?
Provavelmente, irei a São Paulo em novembro, para participar de uma conferência sobre design e sustentabilidade. Eu quero ajudar as pessoas a organizar mais eventos na linha do City Eco Lab: é um modelo valioso para acelerar o movimento de mudança que já começou. Em qualquer City Eco Lab, é importante que ele seja realizado por quem é da própria região. O papel do Doors of Perception (rede e conferência dirigida por John Thackara desde 1993) é de ser um produtor low-profile, que ajuda as pessoas a iniciarem um projeto, orienta sobre a estrutura necessária e conecta grupos de uma região com os de outras.

Leia também:
Redesenhando o mundo
Plano B - o design e as alternativas viáveis em um mundo complexo
John Thackara nasceu na Inglaterra, mas sua experiência é de quem já morou em dez cidades pelo mundo. Filósofo e jornalista de formação, especializado em arquitetura e design, Thackara trabalhou para grandes veículos da imprensa britânica, como o jornal The Guardian e a rede BBC. Das pautas jornalísticas passou para a academia, onde assumiu cargos importantes no Royal College of Art, em Londres, e depois no Netherlands Design Institute, de Amsterdã. Daí em diante, unindo seu faro jornalístico ao conhecimento acumulado na pesquisa acadêmica e no mercado, Thackara tornou-se membro de conselhos de diversos projetos e entidades pelo mundo, proferiu palestras e organizou conferências, que tratam de um tema em comum: como o design pode encurtar o caminho rumo à sustentabilidade.
Para registrar seu precioso conhecimento na área, escreveu ainda um livro, intitulado “In the Bubble – Designing in a Complex World”, editado originalmente pelo MIT Press, em 2005. Lançado no Brasil recentemente, numa parceria entre o selo Virgília e a Editora Saraiva, sob o título “Plano B – O Design e as Alternativas Viáveis em um Mundo Complexo”, o livro é uma leitura indicada para designers e não-designers, e principalmente, para quem quer descobrir que a sustentabilidade mora ao lado: “Milhares de experiências em design já estão sendo realizadas”, adianta Thackara, em entrevista exclusiva ao Planeta Sustentável.

O seu livro tem um novo título no Brasil: “Plano B” é uma expressão que significa uma “maneira alternativa de se agir”. A sustentabilidade chegará ao mainstream e será, finalmente, transformada num “Plano A”?

Não é uma questão de “será”, mas sim de “já é”. Maneiras alternativas de se organizar a vida cotidiana, que são sustentáveis em diferentes níveis, vêm sendo desenvolvidas em todo o mundo. No mundo de língua inglesa, por exemplo, há o site Wiser Earth, que reúne milhares de projetos em que pessoas e grupos estão ativamente mudando algum aspecto da vida cotidiana, na prática. Esse site é inspirador, porque mostra que muita coisa está sendo feita. Paul Hawken (escritor e ambientalista norte-americano, fundador do Natural Capital Institute, organização à frente do Wiser Earth) diz que esses projetos, quando reunidos, transformam-se no maior movimento ao redor do planeta. Esse movimento é invisível no mainstream, na mídia e na política, porque muitas dessas ações são pequenas, locais e entre pessoas comuns, mas é, contudo, real. E está crescendo numa velocidade incrível.

A edição brasileira também traz três novos capítulos: “Alimento”, “Desenvolvimento” e “Presença”. Por que você escolheu esses temas?

Quando líderes comunitários e homens de negócios de trinta cidades se reuniram em Nova York, em 2007, para o Large Cities Climate Summit (Encontro Climático de Grandes Cidades), o sistema de abastecimento de alimentos não fazia parte da pauta de discussões. Os representantes discutiram congestionamento, energia, água, construções, negócios, tráfego urbano e dejetos – mas não alimentação. A omissão foi notável: mais de 40% das pegadas ecológicas de uma cidade moderna podem ser rastreadas até os sistemas de abastecimento de alimentos – transporte, embalagem, armazenamento, preparação e descarte das coisas que comemos. Os sistemas de abastecimento de alimentos no mundo estão se transformando em práticas insustentáveis, em relação a impactos ambientais, à saúde e à qualidade social.
Os sistemas de abastecimento de alimentos são, portanto, uma importante parte dos programas para fazer com que centros urbanos sejam mais sustentáveis. O desafio do design é unir diferentes recursos e oportunidades. A ecologia de uma cidade é complexa, e um nível altíssimo de coordenação é necessário entre prestadores de serviço, consumidores e produtores. A agricultura urbana, nesse sentido, tem mais relação com o design de serviços e infraestrutura, do que com artefatos isolados. Novos serviços e infraestrutura serão necessários para sustentar cooperativas de alimentos, cozinhas e refeitórios coletivos, hortas comunitárias e outras melhorias nos sistemas de alimentação comunitários.
A ironia é de que o modelo predatório da alimentação industrializada está pressionando os países em desenvolvimento, em nome do progresso. A pressão financeira nos países emergentes é imensa. Em um mercado ocidental, para cada dez dólares que você ou eu gastamos, apenas 60 centavos vão para os agricultores. Os 9,40 dólares restantes – o “valor agregado” – correspondem à rotação de estoque e ao lucro das indústrias envolvidas. Compare isso aos mercados formais na Índia (também conhecidos como varejo organizado), eles contabilizam apenas 3% dos 300 bilhões de dólares do setor varejista de produtos alimentícios. A maior parte da venda de alimentos é ainda realizada por lojas informais, vendedores de beira de estrada e feiras a céu aberto.
Um relatório elaborado pela consultoria americana McKinsey para o governo indiano difundiu a ideia de que a Índia é a “fábrica de alimentos do mundo”. A empresa promoveu o par de conceitos “eficiência” e “inovação” como a base para a contribuição indiana no mercado global de 640 bilhões de dólares da indústria de alimentos. “Produtos a custos extremamente baratos... é nesse ponto que o centro do consumo indiano estará”. Os prováveis custos à qualidade ambiental, social e à saúde pública não foram mencionados pelo estudo da McKinsey.
E estou também preocupado com a expressão “mitigação da pobreza”. Essas palavras (assim como “Desenvolvimento”) significam, para mim pelo menos, que as pessoas desenvolvidas do Norte estão submetidas a alguma espécie de obrigação em ajudar as pessoas desamparadas do Sul a se erguer, lançando mão de suas próprias condições privilegiadas.
Hummm... A pobreza é um desafio real suficiente para mais da metade da população mundial – mas, em muitos casos, ela é ocasionada por modelos exportados, e impostos, pelo Norte. E precisamos admitir que, ao redor do mundo, os mais brutais excessos do desenvolvimento são incentivados, cada vez mais, por visões de design. Estou assombrado pelas palavras da especialista inglesa em desenvolvimento Maggie Black: “Milhões de pessoas são expelidas para as margens de uma experiência frutífera em nome do progresso de outras”.
O novo capítulo sobre “Presença” foi motivado pela minha necessidade pessoal de viajar menos! Não é mais aceitável voar em torno do mundo dando palestras sobre sustentabilidade, quando o custo de carbono da minha mobilidade é tão alto! De maneira geral, a ideia de viajar sem se mover faz sentido do ponto de vista ambiental. Matéria é mais custosa do que energia, energia custa mais do que informação; é mais barato transportar informação do que pessoas e coisas. Então, a promessa dos sistemas de comunicação de simulação de presença é a de nos fazer movimentar menos e nos telecomunicarmos mais. Por que ir pessoalmente, quando podemos telefonar?
O problema com esses novos sistemas é que, apesar de cinco décadas de esforço, a promessa da presença virtual introduzia solenemente pelo videofone, alardeado pela IBM na feira mundial de Nova York, em 1964, ainda não se realizou. Enormes investimentos em ambientes virtuais, comunicação móvel e biossensores geraram resultados - na melhor das hipóteses - modestos. A telepresença não amadureceu para se transformar num serviço, muito menos em um mercado. Mesmo seus defensores não se impressionam: o diretor da divisão de videoconferência de uma grande empresa britânica de telecomunicações me disse que ele e seus colegas evitam o próprio sistema sempre que podem.
Mas eu, pessoalmente, não tenho mais escolha. Eu tenho que me movimentar menos. Por mais empobrecedora que possa ser a experiência permitida pelas tecnologias de comunicação, nós precisamos fazê-la funcionar. Então, meu capítulo é um desafio proposto a artistas e designers para criar significativas e estéticas combinações de visão, audição e tato no mundo virtual.

“In the bubble” (“Na bolha”), título original de seu livro, é uma expressão utilizada por controladores de tráfico aéreo para descrever seu estado de espírito, diante de telas brilhantes e fluxos de informação, quando estão controlando dados. Qual deve ser o papel do designer, ao tentar assumir o controle, repensar e recriar a nossa sociedade?

Minha primeira resposta é que devemos nos concentrar no pequeno, em discretas ações de design e não tentar redesenhar tudo, de uma vez só. Nós estamos começando a entender os princípios envolvidos nos sistemas complexos. Redesenhar a vida cotidiana deve ser uma atividade contínua, e não esporádica.
Nós precisamos nos concentrar em como as coisas funcionam, mais do que (apenas) em como elas se parecem. Essa é uma mudança fundamental na relação entre pessoas que projetam coisas e pessoas que as usam. Senso e reação significam reagir a eventos num contexto – como uma cidade ou região – e ser capaz de responder rapidamente e apropriadamente quando a realidade muda. Essa abordagem sugere desenvolvermos uma compreensão e uma sensibilidade em relação à morfologia dos sistemas, sua dinâmica, sua “inteligência” – e como trabalhar e estimulá-los. Isso significa que devemos pensar em design mais como um guia, do que como um modelador de formas.

Você escreveu que nós precisamos passar de uma inovação baseada na ficção científica (futurística, incapaz de ser realizada), para uma inovação social. Você conhece alguma experiência brasileira em inovação social?

Meu conhecimento pessoal sobre o Brasil é limitado a algumas visitas curtas ao país. Mas eu tenho ouvido falar sobre projetos incríveis, que me parecem ser centrais em relação ao que precisamos fazer nos próximos anos. Por exemplo, novas maneiras de recuperar resíduos serão fundamentais – maneiras de reutilização e reciclagem de materiais que ainda estão disponíveis.
Eu tenho trabalhado com um estúdio de arquitetos franceses chamado Exyzt, cujo novo projeto, intitulado Momento Monumento, está no Brasil junto com o estúdio Coloco. A ideia do projeto Monumento é explorar os vários passos práticos necessários para reprojetar um arranha-céu de 24 andares em São Paulo (a iniciativa faz parte do Ano da França no Brasil). Haverá, em breve, prédios vazios como esse em todo o mundo, então esse tipo de experiência é extremamente apropriada.
Numa linha parecida, há o conceito da Bricolabs, que também surgiu no Brasil, que são redes distribuídas para o desenvolvimento global e local das chamadas “infraestruturas genéricas”, criadas por comunidades. Como a civilização industrial, da forma que nós conhecemos hoje, está em declínio, precisaremos usar plataformas como a Bricolabs para manter as redes de comunicação. A Bricolabs é uma plataforma global para investigar conteúdos, softwares e hardwares abertos, para uso comunitário, um modelo que reúne pessoas a novas tecnologias e conectividade distribuída – postura muito diferente do foco da indústria de Tecnologia da Informação (TI), que está baseada em sistemas fechados, copyright, segurança, vigilância e monopólio da informação e da infraestrutura.

Você afirma que nós construímos uma sociedade baseada na tecnologia, que ser inovador é “adicionar tecnologia”. Diz, ainda, que precisamos mudar as pautas das discussões, de maneira que as pessoas venham antes de recursos tecnológicos. Tecnologia não pode resolver todos os problemas, mas ela possui um papel importante ao possibilitar soluções de design. Como a tecnologia pode ser utilizada para se construir uma sociedade sustentável?

Aha, outra pequena pergunta! A resposta mais simples é pensar a tecnologia como um recurso para se atingir um fim (uma sociedade sustentável), e não com um meio com fim em si mesmo. Eu inventei a “Lei Thackara“ para resumir minha ideia: se você coloca inteligência num produto sem sentido, o resultado será um produto idiota. A sustentabilidade fornece o fim que precisamos para guiar a inovação.

Projetos de design sustentável são baseados em novos princípios (acima de tudo, leveza), que informam a maneira como são projetados, fabricados, utilizados e procurados. O foco do design sustentável está nos serviços e sistemas, não em artefatos. Você também afirma que novas ideias de design estão sendo realizadas e testadas agora mesmo (e algumas delas são descritas no seu livro). Como o design pode fortalecer essas iniciativas?

Uma das mais importantes tarefas do design é aumentar e melhorar as ferramentas que nós precisamos para compartilhar recursos. Muitas dessas ferramentas já existem, mas são difíceis de serem utilizadas ou são desnecessariamente não-atraentes: eu estou falando de uma variedade de ferramentas para diferentes finalidades, desde sistemas locais de troca e moedas complementares a car pooling (caronas organizadas) e compartilhamento de terras. Eu escrevi mais detalhadamente sobre “ferramentas para compartilhamento” (clique aqui para ler).

É possível projetar soluções pequenas, simples e locais num mundo tão complexo?

Como eu afirmei anteriormente, milhares de experiências em design já estão sendo realizadas, mesmo que as pessoas envolvidas não pensem nelas mesmas como designers. A lição de design proposta é esta: nós precisamos olhar em outros lugares para buscar inspiração e cultivar o hábito de procurar pessoas, locais, organizações, projetos e ideias que não aparecem na tela do radar usada pelos nossos capitães, que estão em cima da ponte de comando.
Designers são desnecessariamente pressionados pelo mito de que tudo que eles fazem deve ser único e criativo. Mais do que projetar do zero, nós deveríamos procurar de maneira ampla por soluções já realizadas e testadas, e criadas por outras pessoas. Nós precisamos nos transformar em caçadores-colecionadores de ideias e ferramentas. Como outras sociedades viveram no passado? Como sociedades vivem em outras partes do mundo? Essa pergunta já foi respondida por alguém?
Quando pessoas, ideias e organizações de ponta se reúnem, alguma coisa interessante e valiosa sempre acontece. O que consultores de empresas consideram “criação estratégica” – e que eu chamo de “design” – envolve a criação de novas combinações de conhecimento, recursos e habilidade – muitas dos quais já existem.

Várias visões do futuro falam de renúncia, moralismo e limitação pessoal. A sustentabilidade pode ser uma proposta estimulante e envolvente?

Um importante ponto quando desenhamos novas formas de atividade humana é saber distinguir explicitamente o que Ezio Manzini (pesquisador e designer italiano) chama de soluções “desabilitantes” e de “habilitantes” (leia as reportagens O visionário do design sustentável, O design do futuro, e Especialista em design sustentável).
Nós remoemos por muito tempo a ideia de que o mundo está “fora de controle” – nossas cidades, a tecnologia ou a bioesfera. Nós estamos preenchendo o mundo com tecnologias e sistemas complexos que são realmente difíceis de serem entendidos, formatados ou redirecionados. Projetos que ajudam cidadãos a retomar o controle sobre aspectos essenciais da vida cotidiana são, pela sua própria natureza, estimulantes e geram quantidades enormes de energia positiva.

Por favor, fale sobre seu projeto City Eco Lab. É uma cidade do presente ou do futuro?

É uma cidade – ou melhor, uma cidade-região – do presente. Com certeza! A ideia do City Eco Lab é procurar, e apresentar num espaço, os melhores projetos de uma região, que são exemplos de novas formas de organização da vida cotidiana. No caso do City Eco Lab de Saint Étienne (cidade francesa que sediu a Bienal Internacional de Design, em 2008), por exemplo, o evento incluiu iniciativas como permacultura, redes de comércio alternativo, bancos de sementes, esgoto urbano sustentável, propostas para “desmotorização”.
Nós organizamos, também, discussões sobre novos modelos econômicos, moedas complementares, esquemas de comércio para economias locais, redes alternativas de comércio e agricultura comunitária. Como um modelo que pode ser replicado, o City Eco Lab é uma coletânea local – um “mercado nômade de iniciativas” – para pessoas comuns e projetos. Quando reunidos, esses exemplos de inovação na vida cotidiana oferecem uma poderosa visão do que uma região sustentável pode ser.
Como eu já disse, há vários projetos como esses aí fora – mas eles não aparecem no radar da grande imprensa e da política. Esses projetos também tendem a ser isolados uns dos outros – então eles se ressentem da energia que surge quando são reunidos e do aprendizado mútuo. O objetivo do City Eco Lab é ajudar esses projetos de pessoas comuns e comunidades a atingirem uma massa e um momento críticos.

Os elementos-chave de um City Eco Lab são:

- um anfitrião: idealmente, um consórcio regional de organizações pro bono; um comitê organizador de cidadãos e grupos comunitários;
- um parceiro na mídia;
- um local: de preferência, uma grande área de fácil acesso, como um galpão ou um estádio;
- uma época adequada ao ritmo da região;
- uma central de notícias, que filtre e cruze as estórias dos projetos;
- um produtor para reunir todos esses elementos; e
- um patrocinador: para pagar a produção.

Você tem planos para visitar o Brasil? Há novos projetos em vista?

Provavelmente, irei a São Paulo em novembro, para participar de uma conferência sobre design e sustentabilidade. Eu quero ajudar as pessoas a organizar mais eventos na linha do City Eco Lab: é um modelo valioso para acelerar o movimento de mudança que já começou. Em qualquer City Eco Lab, é importante que ele seja realizado por quem é da própria região. O papel do
Doors of Perception (rede e conferência dirigida por John Thackara desde 1993) é de ser um produtor low-profile, que ajuda as pessoas a iniciarem um projeto, orienta sobre a estrutura necessária e conecta grupos de uma região com os de outras.

Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cultura/conteudo_421527.shtml?func=2

Um comentário:

  1. Oi, conheça a Horta Pronta Online, a Hortinha que já vem pronta!

    http://sites.google.com/site/hortaprontaonline/

    Grato, Eliel.

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